Semana passada fiquei chocada com
mais uma decisão vergonhosa em favor da CSN e contra mais um patrimônio
histórico e cultural de nossa cidade! O único museu de Volta Redonda pode
perder seu espaço físico para a empresa que também deixou de ser do povo para
ser entregue a iniciativa privada. Uma sentença em primeira instância garantiu
a reintegração de posse do terreno que foi cedido há quase meio século para o
Clube Foto construir sua sede com recursos próprios e que hoje abriga o único
espaço dedicado à preservação da memória do trabalhismo brasileiro em nossa
região.
Há doze anos, em meados de 2005, fomos
convocadas, eu e a fotógrafa Ângela do Bem, a colaborar com a gestão do Clube
Foto Filatélico Numismático de Volta Redonda – instituição que a época já
possuía mais de meio século de relevantes serviços prestados a sociedade da
“cidade do aço” na área cultural.
Colecionador de inúmeros prêmios, muitos deles
em âmbito internacional – fruto do engajamento de grandes homens e mulheres que
empreenderam suas paixões coletivamente em prol de um movimento genuíno, o
Clube, que se propunha a promover as artes fotográficas, filatélicas (coleção
de selos) e numismáticas (coleção de moedas e cédulas), garantiu reconhecimento
dos poderes municipal, estadual e federal com os inúmeros títulos de utilidade
pública e certificações de grande valor social que recebeu nas mais de cinco
décadas em que atuou.
Eventos de extrema relevância para a área da
fotografia - que viveu seu apogeu durante as décadas que precederam a revolução
tecnológica que experimentamos hoje, foram objeto de grande repercussão do nome
da cidade de Volta Redonda entre os mais consagrados fotógrafos brasileiros e
estrangeiros que viviam em sua essência a efervescência da magia que esta arte
proporciona: a de eternizar os momentos. Até mesmo a ONU – Organização das
Nações Unidas reconheceu o trabalho dos nossos artistas que realizaram eventos
únicos e que marcaram a história da fotografia mundial, como a I Bienal de Arte
Fotográfica em Cores do Brasil – uma ousada iniciativa empregada pelo time de
craques do Clube Foto da nossa cidade, que foi um dos mais importantes e
consagrados Clubes de Fotografia do país.
Com todo esse conteúdo tombado pelo patrimônio
artístico cultural de Volta Redonda, a instituição representava em nossa visão
a mais legítima das organizações para propor e abrigar a primeira instituição
museológica que a cidade precisava instituir.
A história de transformação que o Brasil viveu
com seu ingresso no contexto da Revolução industrial - que mudou para sempre a nossa
sociedade, se deu pela criação da maior siderúrgica da América Latina nas
terras da então Santo Antônio da Volta Redonda, distrito de Barra Mansa,
localizado de forma estratégica no eixo Rio-Minas-São Paulo e que fez nosso
país deixar de viver economicamente da atividade agrária para se tornar uma
grande potência tecnológica e inovadora.
Todo esse movimento de articulação - meticulosamente construído pelo Presidente Getúlio Vargas, fez os olhares do Brasil e do mundo se voltarem para a cidade modelo que foi construída em torno da grande indústria. Muito em torno, diga-se de passagem, ignorando os danos ambientais que a atividade de produção do aço e seus derivados iriam, em pouco tempo trazer para aquela população, que se formava com gente vindo de toda parte do país e até do estrangeiro em busca de trabalho e ascensão social.
O progresso era inevitável, mas mesmo com
todos os ganhos e avanços que a cidade experimentou por sucessivas décadas de
investimentos pesados, com uma indústria estatal que se comportava com seus
colaboradores como uma mãe para com seus filhos, nem a CSN nem os governos
municipais que se sucederam, entenderam o tamanho da importância que esse
movimento gerou no mundo, posto que jamais empreenderam esforços para criar um
espaço ou ambiente para garantir o arcabouço necessário para que essa memória
fosse guardada, preservada e difundida para as futuras gerações.
A “cidade modelo” que foi de fato planejada e
recebeu inúmeros investimentos inéditos no país, não havia - até meados da virada
do milênio - constituído um museu direcionado exclusivamente a organizar todo
este conteúdo gerado no auge do período de construção da empresa e da cidade
com toda a diversidade dos povos que se miscigenaram criando os “arigós”-
expressão usada por muitos historiadores para designar o povo oriundo e fruto
deste movimento.
Milhares de fotos, vídeos, áudios e notícias
de jornais, rádio e televisão permaneciam espalhados pelos quatro cantos da
cidade e fora dela. A empresa – multinacional - já entregue vergonhosamente nas
mãos da iniciativa privada no início dos anos 90, também possuía um imenso
acervo que constitui patrimônio material e que nunca foi disponibilizado à
sociedade. Esse acervo é a certidão da nossa memória, que é o nosso patrimônio
imaterial.
Esse patrimônio público deveria ter sido
negociado à época ou simplesmente retirado do edital de privatização, a exemplo
da nossa Floresta da Cicuta – maior reserva de Mata Atlântica urbana da cidade,
da Fazenda Santa Cecília – uma das mais importantes propriedades do Vale do
Ciclo do Café, dos inúmeros e estratégicos terrenos que poderiam hoje estar
proporcionando o desenvolvimento econômico da cidade com a instalação de
empresas geradoras de empregos – que o advento da privatização fez despencar em
nossa cidade, transformando-a hoje em uma cidade com a maior parte da população
idosa, com o êxodo dos jovens que não têm mercado para se inserir, e claro, os
clubes sociais da cidade – como Umuarama, Náutico, Aero, Laranjal, Ressaquinha
e o nosso Foto Filatélico.
Hoje me questiono, frente à recente sentença
proferida contra o Clube Foto e em favor da reintegração de posse, proposta
pela hoje privada CSN, do terreno que foi cedido em COMODATO POR TEMPO
INDETERMINADO há quase cinquenta anos à nossa instituição - que tomou para si a
responsabilidade de fundar o museu tão necessário à preservação desta rica
memória, se valeu a pena tanto esforço dedicado por mim, Fabiana Alvarez e por
uma centena de pessoas que por mais de uma década lutaram para que tivéssemos
constituído em nossa cidade a primeira instituição museológica a abrigar este
conteúdo.
O IBRAM – Instituto Brasileiro de Museus o
reconhece, o Ministério da Cultura aprova, a Secretaria de Estado de Cultura
financia, a população aprova e interage nos ajudando na construção deste acervo
colaborativo que há mais de cinco anos estamos organizando e disponibilizando
para o mundo.
Quais serão os verdadeiros motivos que levam
hoje a CSN a se comportar como a “madrasta má” e não querer dialogar com a
sociedade da cidade que ela construiu ao seu redor?
Após a privatização e agora - em tempos
temerosos, a CSN inescrupulosamente, assalta nossa cidade para si com intuito
ainda mais maléfico que o abuso financeiro, que é apagar nossa memória,
destruir nosso passado e nossas esperanças. Mas também, memórias pra quê?
A sociedade há de manifestar sua indignação
perante esta estratégia desastrosa da CSN que vem há anos investindo contra o
patrimônio da nossa cidade, com sua mira capitalista voraz voltada para nosso
patrimônio cultural e histórico.
Espero, por fim, que a ausência de
sensibilidade do poder público municipal nesses últimos anos pós-privatização,
seja compensada pelo atual governo representado pelo prefeito Samuca, que no
meu ponto de vista, deveria acoplar à sua proposta de compra do emblemático
Escritório Central da CSN, em troca das milionárias dívidas que há décadas não
são pagas, outros imóveis de relevância para a cidade como a Fazenda Santa
Cecília, a Mata da Cicuta (cuja entrada a CSN proibiu até mesmo a visitantes) e
nossos Clubes Sociais que guardam e representam o verdadeiro patrimônio
histórico da “cidade do aço”.
Afinal, como diz Vicente Melo - meu mestre e
grande intelectual da cidade, autoridades que falam em qualidade de vida, não
podem ignorar os valores que atestam a identidade cultural da comunidade.
* Kika Monnteiro é jornalista, bacharel em direito e por 10 anos presidiu o Clube Foto Filatélico de Volta Redonda, sendo uma das fundadoras do Museu da Memória do Trabalhismo Brasileiro.
Resistiremos!
ResponderExcluirResistiremos! Estamos juntos!!!!
ResponderExcluir